Atualmente, é comum que o patrimônio das pessoas ultrapasse os bens físicos, abrangendo ativos digitais, como criptoativos, non-fungible tokens (NFTs) e contas virtuais. Desse modo, a sucessão de tais ativos impõe novos desafios jurídicos, em razão da ausência de regulamentação específica e da complexidade técnica envolvida.

O que são ativos digitais?

Ativos digitais são bens imateriais representados por dados eletrônicos com valor econômico, suscetíveis de negociação, transferência ou acumulação, como criptomoedas, NFTs e contas em plataformas digitais.

No contexto jurídico, apesar da relevância crescente, os ativos digitais ainda carecem de definição legal no ordenamento brasileiro, o que gera incertezas quanto à sua natureza. Predomina, contudo, o entendimento doutrinário de que se trata de bens móveis incorpóreos, conforme previsto no art. 83 do Código Civil.

Entendimento atual da legislação brasileira

A legislação brasileira não dispõe de normas específicas sobre a sucessão de ativos digitais no contexto sucessório. Todavia, o Código Civil, em seu art. 1.784, estabelece que a herança se transmite automaticamente aos herdeiros no momento do falecimento, mas não especifica como isso se aplica a bens digitais, especialmente os de natureza criptografada e descentralizada, como as criptomoedas.

Ainda que o ordenamento jurídico não defina expressamente os ativos digitais para fins sucessórios, a Receita Federal do Brasil já os reconhece como bens sujeitos à declaração e eventual tributação, conforme disposto na Instrução Normativa RFB nº 1.888/2019. Tal reconhecimento reforça seu caráter patrimonial e, portanto, sucessível, evidenciando a necessidade de planejamento jurídico adequado.

Diante da ausência de regulamentação específica sobre o tema, surgem desafios práticos relevantes, como a diversidade de políticas adotadas por plataformas digitais e a existência de dados sensíveis, a exemplo das chaves privadas de acesso a criptoativos e NFTs.

Ademais, a jurisprudência sobre bens digitais permanece escassa e divergente, contribuindo para um cenário de insegurança jurídica, ainda que existam decisões favoráveis ao acesso por herdeiros, o que deixa evidente a importância de um planejamento sucessório completo.

Reforma do Código Civil

Com o escopo de regulamentar tais questões, tramita no Congresso nacional proposta de reforma do Código Civil, incluindo dispositivos voltados à sucessão de bens digitais. A proposta inaugura uma nova etapa no direito sucessório brasileiro, ao prever a possibilidade de transmissão desses ativos, desde que dotados de valor econômico relevante.

Dentre as modificações propostas, destaca-se a vedação de acesso, pelos herdeiros, a mensagens privadas armazenadas em ambientes virtuais, exceto quando houver autorização expressa em testamento ou documento equivalente, em respeito à privacidade do falecido. Se aprovada, a proposta representará um avanço na regulamentação da herança digital, ao proporcionar maior clareza jurídica e previsibilidade na transmissão desse tipo de patrimônio.

Estratégias jurídicas para garantir a sucessão de criptoativos

Ante o cenário exposto, é essencial a adoção de estratégias preventivas para assegurar a sucessão de ativos digitais. Entre as soluções mais eficazes destacam-se:

  • Corretoras de criptomoedas (exchanges): em caso de falecimento do titular, algumas plataformas dispõem de procedimentos próprios em seus sites para viabilizar a sucessão dos ativos digitais;
  • Carteiras com assinaturas múltiplas (multi-signature wallets): permitem a distribuição de múltiplas assinaturas entre os herdeiros, sendo possível reservar uma delas em testamento cerrado;
  • Testamento: elaboração de testamento com diretrizes claras sobre a existência e a destinação dos criptoativos, preservando-se o sigilo das chaves privadas;
  • Holding patrimonial: centraliza a posse desses ativos em uma pessoa jurídica, facilitando sua administração e sucessão.

A importância da Holding Patrimonial na sucessão de bens digitais

A constituição de uma holding patrimonial tem se mostrado uma ferramenta eficaz para o planejamento sucessório de ativos digitais, especialmente criptoativos e NFTs. A transferência da titularidade desses ativos para uma pessoa jurídica, controlada pelo próprio titular, permite a criação de um ambiente mais seguro e estruturado, facilitando o processo sucessório e evitando os riscos da partilha judicial tradicional, além de trazer a otimização tributária na distribuição dos bens.

A holding permite a inclusão de cláusulas específicas no contrato social ou em acordos de sócios, conferindo maior segurança às partes. Entre elas, destacam-se regras para transferência de cotas, protocolos de segurança digital, procedimentos de acesso às chaves privadas e diretrizes para a distribuição de lucros.

Além disso, proporciona segurança jurídica e praticidade ao planejamento sucessório digital, permitindo a formalização dos ativos, a definição de regras de acesso e a transferência extrajudicial por meio de alteração contratual. Portanto, a holding integra, em um único instrumento, o planejamento jurídico, sucessório e tecnológico, prevenindo conflitos e assegurando a continuidade do patrimônio digital.

Conclusão

A sucessão de ativos digitais é um desafio jurídico emergente que exige adaptação do direito sucessório tradicional. Na ausência de regulamentação específica no Brasil, o planejamento prévio é fundamental para garantir a transmissão segura desses bens. Nesse contexto, estratégias como a elaboração de testamentos, a gestão de chaves privadas, o uso de carteiras digitais com múltiplas assinaturas e a constituição de holdings patrimoniais, se mostram eficazes; desde que conduzidas com o acompanhamento de profissional especializado na área sucessória e digital.

João Barker – Paralegal