De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), as pessoas jurídicas, assim como as pessoas físicas, podem ser consideradas consumidoras. Isso significa que a empresa poderá usufruir de garantias fundamentais, como a responsabilidade objetiva do fornecedor sobre produtos e serviços, o exercício do direito ao arrependimento e a definição mais favorável da competência e do ônus da prova em processos judiciais.
Nesse contexto, a questão é: quando sua empresa adquire um produto ou um serviço, a transação será regida pelo Direito do Consumidor ou pelo Direito Civil?
Diante disso, para responder essa o questionamento é preciso entender o conceito de relação consumerista, de destinatário final e a diferença entre bens de consumo e bens de produção.
Quem é quem? Fornecedor x Consumidor
Em princípio, é necessário destacar que o CDC traz em seus artigos 2º e 3º as definições das partes que integram a relação de consumo, sendo estas: o fornecedor que é toda pessoa física ou jurídica que fabrica, monta, cria, transforma, distribui ou comercializa produtos ou serviços, enquanto, o consumidor é pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza um produto ou serviço como destinatário final.
O desafio reside justamente no ponto de encontro dessas definições: a pessoa jurídica (PJ). Afinal, em que circunstâncias uma empresa, que utiliza bens para produção, pode ser considerada consumidora e, portanto, protegida pelo Código de Defesa do Consumidor?
O Destinatário Final
O cerne da questão está na interpretação do termo “destinatário final”. Com base na Tese da Natureza do Bem no Mercado, a análise deve partir da natureza do produto em relação ao mercado, assim:
- Se a PJ adquire um bem de consumo, ou seja, fabricado em série e oferecido ao mercado para qualquer pessoa, como um laptop ou seguros, a relação é de consumo, independentemente de o uso ser restritamente profissional.
- Se a PJ adquire um bem típico de produção, como uma usina, um grande maquinário específico ou um prédio industrial, que, via de regra, não é oferecido ao consumidor comum, a relação é de Direito Civil.
Em resumo, se a pessoa jurídica compra em uma loja de departamento comum, aplica-se o CDC. Por outro lado, se a pessoa jurídica encomenda um equipamento especializado para produção, o Direito Civil governa a relação.
A título exemplificativo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Recurso Especial nº 1.392.636 no ano de 2019, reforçou a aplicação do CDC em ação indenizatória movida por uma instituição de ensino superior contra uma seguradora.
A universidade privada acionou o seguro devido a danos causados por chuvas e ventos fortes. A seguradora, por sua vez, alegou que a velocidade do vento era inferior à mínima estipulada em cláusula para caracterizar um vendaval, recusando acionar a cobertura dos prejuízos.
O relator, ministro Raul Araújo, destacou que a cláusula que estipula velocidade mínima para haver indenização configura desvantagem excessiva à segurada. Assim, em decisão colegiada, os ministros do STJ determinaram que a empresa que firma contrato de seguro visando à proteção de seu próprio patrimônio é considerada destinatária final dos serviços securitários, aplicando-se, portanto, o CDC.
Logo, ao reconhecer que a universidade era a destinatária final dos serviços ofertados pela seguradora, o STJ validou a tese de que a pessoa jurídica deve ser protegida pelo CDC ao adquirir bens de consumo.
Os Benefícios do CDC
Afinal, a empresa ser considerada como consumidora traz uma série de proteções que o Direito Civil não oferece, como:
- responsabilidade objetiva: o fornecedor responde por defeitos do produto ou serviço independentemente de culpa, facilitando a busca por indenização;
- direito de arrependimento: em compras online ou por telefone, é possível desistir da compra ou contratação no prazo de 7 dias, recebendo de volta os valores pagos;
- acesso à justiça facilitado: ingresso com a ação judicial no local de domicílio da empresa, facilitando a defesa de seus direitos;
- inversão do ônus da prova: em processos judiciais, o juiz pode determinar que o fornecedor prove ausência de defeito no produto ou serviço fornecido.
Portanto, não arrisque a segurança da operação. O acompanhamento jurídico é essencial para mapear riscos e garantir que, em toda transação, sua empresa esteja protegida pelo regime legal mais favorável, definindo com clareza o contrato e a responsabilidade das partes envolvidas.
Júlia Sophia Pacca/ Paralegal.