A atividade empresarial é imprescindível para a economia brasileira. Das pequenas empresas familiares às grandes corporações, são os empreendedores que geram empregos, inovam e movimentam o mercado. Por isso, o Direito reconhece e protege a função social da empresa, assegurando-lhe continuidade mesmo em tempos de crise.
Nesse contexto, a Lei nº 11.101/2005, que disciplina as recuperações judiciais e extrajudiciais, bem como as falências, tem como princípio norteador a preservação da atividade empresarial.
Recuperação ou falência?
Antes de adentrar no ponto de convergência entre insolvência e arbitragem, é essencial compreender alguns conceitos-chave. Quando a empresa enfrenta dificuldades financeiras, o sistema jurídico oferece dois caminhos:
a) Recuperação judicial: procedimento que busca reorganizar o passivo, preservar a atividade empresarial e garantir a manutenção dos empregos. Parte-se do pressuposto de que manter a empresa viável é preferível à sua extinção, em observância à função social e ao princípio da continuidade/preservação da empresa.
b) Falência: ocorre quando não há mais possibilidade de soerguimento. É uma medida extrema, adotada apenas quando a recuperação se mostra inviável ou fracassa.
O que é arbitragem?
A arbitragem constitui um método de resolução de conflitos baseado na autonomia da vontade das partes, permitindo que controvérsias relativas a direitos patrimoniais disponíveis sejam solucionadas por tribunal arbitral, fora da esfera do Poder Judiciário (art. 1º da Lei nº 9.307/1996). Esse mecanismo tem se consolidado no ambiente empresarial em razão da celeridade, confidencialidade e especialização técnica que oferece.
A Autonomia da Arbitragem e a Soberania do Juízo de Insolvência
A Lei de Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/2005) e a jurisprudência atual permitem que empresas em crise participem de arbitragens. No entanto, é importante destacar um limite essencial: o tribunal arbitral pode apenas reconhecer a existência, o valor e a exigibilidade de um crédito, mas não deve interferir na forma como esse crédito será tratado no processo coletivo de insolvência.
Por outro lado, o juízo de insolvência detém competência para organizar o passivo, aprovar ou rejeitar compensações e homologar o plano de recuperação judicial. Logo, é evidente que essa distinção existe para assegurar o tratamento isonômico entre os credores sujeitos ao processo de recuperação ou à falência.
Repercussão do tema no Superior Tribunal de Justiça
A controvérsia sobre os limites da atuação do juízo arbitral nos processos de recuperação e falência chegou às Cortes Superiores, ganhando recente destaque no julgamento do Recurso Especial nº 2.163.463/SP, em que se discutiu a validade de uma sentença arbitral que autorizava a compensação de créditos entre uma empresa em recuperação judicial e outra contratante.
No referido caso, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a compensação de créditos sujeitos à recuperação não se enquadra como direito patrimonial disponível, e, portanto, não pode ser objeto de decisão pelo tribunal arbitral, isto é, a eficácia da cláusula compromissória encontra limites nos temas de interesse coletivo dos credores e na proteção da função social da empresa.
O entendimento firmado pelo STJ contribui para a segurança jurídica ao delimitar, com maior clareza, as competências das esferas arbitral e judicial. Reforça-se, assim, que a reorganização do passivo é matéria de ordem pública e, portanto, insuscetível de delegação ao juízo arbitral.
Diante disso, recomenda-se aos empresários cautela na adoção da arbitragem em contextos de crise, valendo-se de orientação jurídica especializada para garantir sua adequada utilização como instrumento eficaz de resolução de litígios.
Júlia Sophia Pacca – Paralegal.